Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade

Como fazer a diferença na cobertura sobre energia

por Raquel Añon e Silvia FM, para a Envolverde

Jornalistas precisam se capacitar para cobrir a temática da sustentabilidade. Para Amélia Gonzalez, editora do caderno Razão Social do jornal O Globo, aqueles que querem se especializar no tema precisam priorizar o estudo do assunto. “Sustentabilidade é uma questão de atitude. Nós precisamos avançar para contar as histórias certas e que precisam ser contadas certas.”

O ponto de vista exposto por Amélia é compartilhado por Paula Scheidt, editora do site Carbono Brasil, e Roberto Schaeffer, professor associado da COPPE/UFRJ, que participaram da mesa redonda Energia na Mídia, no terceiro dia de atividades do Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade, encerrado neste sábado (19).

O debate foi mediado por André Trigueiro, apresentador da Globo News e da rádio CBN e professor de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, que propõe duas questões para o debate: Qual é a parte que nos cabe quando o assunto é energia? Como podemos fazer toda a diferença na cobertura de energia?
Amélia Gonzáles aponta dois graves problemas na cobertura jornalística de energia e sustentabilidade. O primeiro, e mais sério, é que as empresas de comunicação investem muito pouco para dar aos repórteres as ferramentas necessárias para cobrir adequadamente o tema. O segundo problema é quanto ao jornalista realmente querer estudar a fundo o assunto e se especializar, sem pensar em status de editor ou âncora, tentando avançar na pauta.

“O jornalista diz que não tem tempo para estudar, mas é uma questão de prioridade. Precisamos de gente que realmente tenha conhecimento. Não vejo outra maneira senão se aplicando de maneira sistemática e estudando”, comenta Amélia. E emenda: “um repórter bem formado e que estudou a fundo o tema consegue a veiculação de matérias, abrindo outras frentes. O melhor exemplo disso é o Fantástico, que abriu espaço para a Amazônia.”

Durante sua apresentação, Amélia defendeu a necessidade de pensar em focos de público, nas micro-políticas e não em macro para obter mudanças. “Queremos que as pessoas discutam o que é aquecimento quando elas nem sabem o que realmente é. Focar em alguns públicos e que sejam alimentados por nós, por reflexões, matérias e entrevistas pode ser mais interessante. Acho que é por aí.”

Ao falar sobre qual o tratamento a ser dado às empresas na mídia, a editora do Razão Social comenta o próprio exemplo do caderno, que procura fugir do maniqueísmo, do bem e do mal, para ver e analisar os projetos das empresas, apontando as falhas, mas também salientando as boas iniciativas. “Falta massa crítica. Como formadores de opinião, temos o bastão nesta área importante. As empresas são estratégicas e a melhor empresa quer falar com bons jornalistas. Nós também temos que fazer boas perguntas e saber os interesses que estão por trás do projeto.”

Com o site Carbono Brasil (www.carbonobrasil.com.br), no ar desde 2003, Paula Scheidt é o exemplo da vontade de fazer bom jornalismo, com profundidade e compromisso. Ela era ainda estudante em Florianópolis quando criou o projeto, que conta hoje com a colaboração de uma jornalista e uma geógrafa, além de freelancers. O site Carbono Brasil tem cinco anos de existência e atualmente tem como parceiros sites como a Envolverde e o Mercado Ético, o que permite atingir maior número de leitores do conteúdo produzido.

A então estudante começou o site tratando do tema Mudanças Climáticas, mas logo depois especializou-se na cobertura de mercado de carbono ao perceber o grande potencial que o assunto tinha e a pouca atenção dada pela grande mídia. Com a aprendizagem, outras linhas para reflexão e assuntos foram surgindo, resultando em um novo portal, com novas sessões para discussão.

“A Carbono Brasil tem uma visão focada no conceito de Desenvolvimento Sustentável. Tem como base a transversalidade da abordagem, sem a preocupação com a linguagem de editoria e caderno. Queremos que a pessoa que nos acessa obtenha informações que de fato agreguem valor ao conhecimento daquela pessoa”, explica Paula. Além das matérias, são disponibilizados links para documentos, reportagens e artigos científicos, e uma biblioteca virtual, para auxiliar o leitor a buscar mais informações na rede.

A questão energética passa por esta proposta de transversalidade. Há reportagens que discutem assuntos como a geração de energia a partir das fontes emissoras, suinocultura, matriz energética, a política de biodigestores, o crescimento de projetos de edificações sustentáveis (greenbuilding), o fim dos combustíveis fósseis, aumento descontrolado no consumo de energia, esgotamento da energia hidráulica, desenvolvimento dos biocombustíveis e energias renováveis etc. Ela diz que procura mostrar com profundidade os aspectos importantes da área.

Como exemplo, Paula citou o tratamento dado a matéria sobre a descoberta de petróleo na camada de pré-sal, pauta da mídia dos últimos meses. Fugindo da abordagem convencionou da grande imprensa, foram produzidas quatro matérias, refletindo sobre pontos como a possibilidade de interferência nos investimentos em energias renováveis e se há um reforço na esperança por auto-suficiência energética. O público aprovou.

Para conseguir estes resultados Paula também desafiou as leis da Internet: usa textos longos, mais interpretativos e aprofundados, dando importância a dar respostas de como e por quê dos fatos. “Lembra mais uma revista, com pouco jornalismo ‘hardnews’, mas com conteúdo mais rico. Estamos abertos à experimentação, e estamos colhendo bons resultados.”

Visão da mídia pela academia

Como membro do mundo acadêmico, o professor Roberto Schaeffer, trouxe uma interessante análise da mídia, procurando entender seu papel e onde estão as suas falhas quando trata do tema energia. “Dado o mundo de haikais de hoje, a notícia rápida ganha destaque. Ao tentar informar, a análise passa a ser papel apenas de alguns articulistas, que privilegiam a notícia”.

“A cobertura da área de energia é anedótica”, comenta o professor, que provocou risos na platéia. “As notícias comunicam o óbvio, o mundo da moda, sem falar de conseqüências e impactos ambientais. Informação é entropia negativa, criar ordem na desordem” comenta o professor.

Roberto Schaeffer cita dois exemplos de erros recorrentes da imprensa: a invenção da medida de quilowatt por hora, que não existe “em lugar nenhum” e a meta do horário de verão, cujo objetivo é evitar a demanda de ponta em um único horário e não de economia de energia. “A mídia continua informando errado, apesar de todo ano eu explicar a mesma coisa”, reclama.

Outra observação de Schaeffer é a visão compartimentada da imprensa e dos próprios técnicos sobre assuntos que não podem ser tratadas de forma compartimentada. No caso da cobertura de Energia, o problema fica mais evidente, pois ela envolve muitos aspectos interligados, como os fortes impactos ambientais, sociais e econômicos.

Para explicar melhor o tamanho do problema, Schaeffer retoma a questão do pré-sal, mostrando que a imprensa produz matérias apenas sob a ótica desenvolvimentista, sem conseqüência dos resultados, do impacto ambiental em longo prazo, sem fazer comparações simples como o que acarretará o consumo desse petróleo e a sua relação com alternativas de fontes energéticas. Ele entende ainda que a mídia confunde recurso com reserva, que é uma fração tecnicamente viável de ser produzida naquele momento. E conclui: “é prematuro falar em quanto vai ganhar ou perder. Neste momento, nem temos como fazer isso”. Schaffer defende a busca do petróleo do pré-sal, uma vez que o mundo ainda não vive sem combustível fóssil. “Ele pode trazer riquezas, se inteligentemente usado.” Segundo o professor, o impacto maior é do uso e não da exploração.

A eterna confusão entre crescimento e desenvolvimento também é outro problema apontado pelo professor. “A visão do governante é quantitativa e não qualitativa. Ele não quer inaugurar 100 mil coletores solares, prefere uma grande hidrelétrica, que tem espaço garantido no jornal”, provoca Schaeffer. Ele ainda aproveita para sugerir pautas pouco exploradas pela mídia, como: biodiesel, etanol, alimentos, futuro da energia nuclear, futuro das grandes hidrelétricas, futuro da geração eólica e solar e o que a sociedade brasileira está disposta a pagar por elas. Ele defende a construção de mais hidrelétricas no Brasil. “O país precisa de mais hidrelétricas, o consumo cresce 5% ao ano - quatro ou três Angras 3 por ano”. O professor da COPPE assegura que seria muito pior se a escolha fosse pelo carvão e nuclear.

* Raquel Añon e Silvia FM são jornalistas.

A cobertura do Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade está sendo feita por uma equipe de jornalistas. A coordenação é de Naná Prado e o material será publicado no site da Envolverde (http://www.envolverde.com.br) e do Mercado Ético (http://www.mercadoetico.com.br).


(Agência Envolverde)