Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade

Sociedade organizada deve se sobrepor à lógica de mercado

por Mônica Paula, para a Envolverde

O último dia do Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade aconteceu no sábado (18) com muita chuva, mas a platéia que não se intimidou pelo mau tempo foi plenamente recompensada. A manhã teve início com a palestra magna “Caminhos Energéticos do Brasil”, a cargo do professor Ladislau Dowbor, da PUC-SP. Jornalistas e pesquisadores do “mundo da sustentabilidade” têm no professor Ladislau uma de suas referências.

Suas reflexões giraram em torno da dinâmica da governança. Em sua visão, precisamos de um choque de bom senso nos processos decisórios. “Sabemos o que está acontecendo há algum tempo. Coisas como o aquecimento global são realidade há alguns anos. O problema é isto entrar na cabeça das pessoas, elas se convencerem. É coisa que leva muito tempo”, raciocina. O pensamento aponta o hiato enorme que a humanidade leva para analisar e reagir. “A inércia do sistema é imensa”, diz.

Ele classifica os dois eixos da desigualdade existentes hoje - o social e o ambiental - como “icebergs” que estamos enfrentando. “Temos cientistas para cada coisa, mas o importante é ver o big picture, ou seja, o cenário por inteiro. Ainda no tema aquecimento global, cita os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e o de Nicholas Stern, economista-chefe do Banco Mundial, que fez as contas do quanto isso vai custar para a humanidade - “uma conta salgada. Quanto mais se adiam as decisões, mais cara elas ficam”. Isto, a seu ver, traduz a falência mais abrangente dos mecanismos de mercado. “O aquecimento existe, a conta é alta e temos de tomar providências”.

Um estudioso da questão energética americana, Lester Brown, se impressionou com o Brasil, com uma quantidade de cidades onde poderia haver melhor aproveitamento das energias eólica, solar e termelétricas. “Fica então claro o problema de governança, que é como se organiza o processo decisório”, insiste.

O professor cita como mais um grande exemplo deste descontrole o mar, a principal base de vida no planeta, que se transformou em um grande ‘matadouro’. Grandes empresas mundiais de pesca deveriam se ater à otimização dos recursos mas, ao contrário, “destroem, mas não usam”. Cerca de 80% de peixes e frutos do mar retirados do oceano são simplesmente descartados, aponta. “O problema é pensar que nós, como sociedade, não conseguimos organizar uma visão de longo prazo, uma visão sistêmica”.

Equívocos e soluções

A famosa “lógica de mercado” é inspirada em Adam Smith, economista e filósofo escocês, responsável pela Teoria do Liberalismo Econômico (1776), que faz o padeiro “não alimentar os pobres, mas sim o bolso”. Em se tratando de energia, água e alimento devemos esquecer o sistema do “vale-tudo”, acredita.

“A sociedade deve estar organizada em torno dos seus interesses e passando uma peneira no que funciona”, reafirma o palestrante. E cita o brilhante exemplo da Suécia, país de primeiro mundo. Lá, um cidadão participa de pelo menos quatro organismos comunitários. É uma nação que cobra imposto, mas que reverte quase 70% de seu PIB para ser administrado de forma local. “Trata-se de uma apropriação política pela sociedade, governos e corporações dos recursos econômicos”.

É também um dos lugares onde existe a economia negociada: antes de instalar em uma região, qualquer corporação tem de dialogar com prefeitos e organizações comunitárias para minimizar situações como o impacto ambiental, “o que desemboca em outra filosofia política e econômica”. O professor Ladislau descreve melhor este sistema no livro “Democracia Econômica” (Editora Vozes), mas também disponível para download em seu site - ver referência abaixo. “A ciência tem de estar disponível para todo mundo”, defende.

Social em xeque

A questão social, para ele, é outra tragédia contemporânea. “Temos hoje 4 bilhões de pessoas, ou 2/3 da humanidade, que não participam da globalização, estão fora do sistema”. No caso nacional, cita o relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “Mercado de trabalho: emprego e informalidade no Brasil”, com números alarmantes. Dos 190 milhões de brasileiros, 100 milhões constituem a população economicamente ativa. Deste universo, 31 milhões têm carteira assinada e outros 7 milhões são funcionários públicos. “O resto se vira na informalidade”.

No pensador canadense Homer Dickson, busca a informação para mais uma reflexão da platéia: o mundo recebe 75 milhões de novas pessoas a cada ano, sendo que 25% de sua energia são usadas somente pelos EUA, onde estão 4% da população terrestre. Fica a constatação: a economia atual é usufruída por apenas 1/3 de quem vive no planeta. E os demais? A dinâmica social atual contempla a concentração de renda, da qual se beneficiam os países do norte (primeiro mundo) e as elites dos países pobres.

“Temos de pensar como estamos administrando os processos sociais. Não funciona uma economia que é regida pelas grandes corporações, mediante governos sem força e agências regulatórias dominadas pelos interesses privados”, vaticina.

Em suas missões técnicas por todo o mundo como representante da ONU, Ladislau Dowbor afirma ter procurado sempre o que funciona. Por isso, aconselha com propriedade: “temos de resgatar a capacidade de controle da população sobre o sistema decisório. Este tempo de grandes corporações é extremamente difícil. O tripé estado - empresas - sociedade civil organizada tem de ser mais amplo, forte e equilibrado.”

Todas as reflexões, bem como sugestões de artigos e livros, estão no site do professor Ladislau Dowbor: www.dowbor.org.

* Mônica Paula é jornalista e foi editora da Agência Estado.

A cobertura do Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade está sendo feita por uma equipe de jornalistas. A coordenação é de Naná Prado e o material será publicado no site da Envolverde (http://www.envolverde.com.br) e do Mercado Ético (http://www.mercadoetico.com.br).


Crédito de imagem: Clóvis Fabiano


(Agência Envolverde)